26 de maio de 2015

Wonderland – Parte IV: Acredito em Seis Coisas Impossíveis Antes do Café


Alice riu. “Não adianta tentar”, disse; “não se pode acreditar em coisas impossíveis.”

“Com certeza não tem muita prática”, disse a Rainha. “Quando eu era da sua idade, sempre praticava meia hora por dia. Ora, algumas vezes cheguei a acreditar em até seis coisas impossíveis antes do café da manhã.”

Quando foi primeiro publicado, em 1865, Alice no País das Maravilhas não foi muito bem recebido pela crítica, que considerou a história “extravagantemente absurda”, de onde se salvava apenas as ilustrações de John Tenniel. Seis anos depois, quando do lançamento de Através do Espelho, a opinião pública mudara bastante e entre os leitores famosos que aprovavam o nonsense de Carroll estavam desde a própria Rainha Vitória até um jovem Oscar Wilde.

Ísis: Caramba!!! Que reviravolta! Que bom pra ele que não custou nem uma década! Muitos artistas só conseguem reconhecimento após suas mortes...

De lá pra cá, os dois livros se tornaram mais que marcos literários – eles entraram em nossa mitologia moderna, tornando-se ícones da cultura pop. Parte desse sucesso, é claro, deve-se às adaptações.

Há mais de vinte adaptações diretas dos livros, sendo a mais conhecida delas a versão dos estúdios Walt Disney de 1951, e dezenas que se inspiraram livremente no material base de Carroll – como o filme de Tim Burton em 2010 (que, por sinal, está com uma sequência prevista para estrear em 2016), ou a minissérie da Syfi, de 2009, que é, eu confesso, uma das minhas variantes favoritas.

Em resumo, ainda que alguém não tenha lido as aventuras de Alice, é certo que reconhecerá como referências à obra a idéia de “descer pela toca do coelho”, ou “sorrir como um gato Cheshire”, ou ainda o “Cortem a cabeça!” da Rainha de Copas.

Alice está tão arraigada no imaginário coletivo que você pode encontrar e distinguir alusões a ela em filmes como Matrix e Resident Evil, em canções dos Beatles, em O Mágico de Oz (que foi pensado para ser uma Alice americana) e Coraline, e até nos jogos do Super Mario Bros. – para ficar em alguns poucos exemplos.

Selos lançados pela Royal Mail em comemoração aos 150 anos de publicação da obra

O absurdo inerente à obra rende debates acalorados, teorias por vezes estapafúrdias e um fascínio que parece longe de findar. Não existem barreiras para interpretações – tudo no País das Maravilhas e do Outro Lado do Espelho pode ser vista como uma alegoria e o leitor pode adaptar sua própria simbologia aos livros de acordo com suas conveniências e seu poder de persuasão.

Essa maleabilidade é um dos fatores para que, mesmo após mais de um século de sua publicação, os livros de Carroll continuem sendo tão lidos e tão comentados. Para cada leitor existe uma Alice, e, dessa forma, ela se propaga por gerações, falando de forma pessoal a cada uma delas.

Ísis: Gostei da interpretação.

Outro motivo é o fato de que Alice é, em sua essência, o arquétipo de uma criança – curiosa, imaginativa, determinada a experimentar tudo aquilo que o mundo tem a lhe oferecer, ainda que muitas vezes não compreenda aquilo em que está se metendo. Associamos assim a personagem a nossa própria nostalgia da infância, e ao desejo de voltar a tempos em que era mais fácil acreditar em ‘seis coisas impossíveis antes do café’.

Nostalgia, dores do crescimento, escapismo, desafios mentais – uma miríade de interpretações possíveis e mundos disponíveis para exploração. Carroll não impõe limites aos seus mundos de absurdo, pois esses só podem ser alcançados pela imaginação de seus leitores. E, assim, Alice se perpetua em nossas mentes, e ainda por muitos anos a acompanharemos pela toca do coelho ou através do espelho, dispostos a nos maravilhar com toda a sua estranheza e inventividade.


A Coruja


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