4 de maio de 2015

Seis anos de Coruja... e uma história sobre os bastidores da festa!

A Rainha acordou de bom humor naquele dia.

Não que fosse estranho ela acordar de bom humor. A despeito do status notívago das corujas, ela era uma daquelas irritantes (ao menos, é o que lhe diziam sobre o assunto) pessoas que acordavam cedo, antes mesmo do despertador tocar, e já pulavam da cama com toda a lista de afazeres do dia na cabeça, pronta para ser cumprida.
Seja como for, mesmo que acordasse (quase) todo dia de bom humor, o fato é que naquela manhã em específico ela tinha motivos extras para seu atual estado de espírito.

Levantando-se e correndo os dedos pelas paredes forradas de livros (tantos que fazias as vezes de papel de parede), ela se encaminhou para a janela e olhou para tudo aquilo que o sol tocava e era seu reino (não havia áreas escuras dominadas por hienas risonhas. Fora uma de suas primeiras providências ao receber a coroa).

Deixando a modéstia de lado, podia dizer que tinha feito um bom trabalho – um trabalho que valia à pena ser comemorado (embora, talvez, fosse uma boa idéia ir dar uma olhada na Ísis mais tarde e se assegurar que ela não estava escrevendo letras de música para enaltecer a data. Havia um óbvio motivo pelo qual Ísis não era responsável pela Orquestra Real – um motivo que passava pela necessidade que a elefanta tinha de colocar todo mundo que passasse por seu campo visual para cantar karaokê).

Por mais que ela se autodeclarasse uma tirana – ou em termos mais gentis, uma déspota esclarecida – amava seu pequeno reino e todos os seus leais (e por vezes apavorados) súditos. E trabalhava duro para manter tudo funcionando, como um perfeito e delicado mecanismo de relógio.

Sim, aquele era um trabalho que valia à pena ser comemorado. E hoje era o dia perfeito para tal comemoração.


~*~*~*~

– Maldição! Maldição, Maldição, Maldição, Maldição, Maldição, Maldição, Maldição, Maldição...

Dizia o Bode enquanto andava de um lado para o outro na cozinha, em meio à panelas borbulhantes e ingredientes prontos para uso.

Pegou novamente o telefone e digitou o número novamente.

- Anda, atende... – Disse enquanto ouvia a chamada cair na caixa postal. – DROGA!!! Nunca mais encomendo nada desse fornecedor!

Despedaçando o telefone na parede, o cozinheiro olhou ao redor, para tudo que havia preparado nas últimas horas. Sem a última encomenda, não estava confiante de que a comida fosse o suficiente, imaginando que todos os convidados viessem.

- Ok, a encomenda de carnes foi para o brejo... hora do plano C. Melhor reservar o B para outra ocasião... Só terminar estes pratos.

E assim o fez. Às massas, restava apenas adicionar o molho de tomate, que estava pronto. As saladas já estavam lavadas e cortadas, guardadas nas geladeiras até a hora de servir. Uma coisa o deixava tranquilo, que o prato favorito da Rainha estava pronto, assim como o da Gata. A Elefanta era um mistério para o cozinheiro, no quesito gostos culinários, mas ele esperava que um prato oriental desse conta do recado.

Apagou o fogo no fogão e juntou algumas coisas, que achou que precisaria, em uma mochila e fez algumas contas. São 5 da manhã, e a festa está programada para às 18, com o jantar às 22h... Levando em consideração o tempo que teria para cozinhar mais 500 quilos de pratos de carne, sobrariam cerca de seis horas para conseguir o que precisava.

- Acho que trarei peixe... Ou javali... Ou peixe E javali...


~*~*~*~

A manhã chegou e a elefanta ainda estava pendurada no teto do salão. Como raios uma corda que deveria apenas segurar um simples enfeite conseguira a proeza de sustentar, no ar, 6.7 toneladas de massa rosa, ela não sabia explicar. Talvez tivesse a ver com o fato de que não apenas em uma, mas em meia dúzia ou mais de cordas ela conseguira se enrolar. Bem, ninguém nunca a acusara de ter precisão em seus movimentos... ou conseguir pendurar enfeites no teto sem causar um desastre ambiental.

Uma coisa, porém, era certa. Ela com certeza iria anotar o nome do artesão das benditas cordas, para o caso de (se) algum dia precisasse(m) amarrar (leia-se: conter) a Rainha.

Mais que isso, porém, ela precisava sair dali, antes que sua Majestade chegasse e encontrasse o salão com um enfeite a mais que o planejado. Isso era um risco em especial, pois a Rainha queria que a comemoração fosse perfeita. Provavelmente uma elefanta no teto não estava nos planos da Rainha, então havia o sério risco de ter carne de elefante no banquete... ou pinhata de elefante nas comemorações.

E considerando que a Coruja, ironicamente, era a única entre eles a acordar cedo, não demoraria muito para que sua Criatura Real chegasse ali.

- É nisso que dá não me deixar cuidar das músicas! Eu disse que podia compor uma canção, mas não... – resmungou a gigante cor-de-rosa.

De qualquer forma, o que importava era que havia uma tarefa a ser feita, e a execução precisava ser perfeita. Era um dia muito especial, não só para a Rainha, como para todos eles também. A elefanta nunca se perdoaria se fosse ela a estragar as comemorações. Não havia dúvida de que o Bode Dé providenciaria um verdadeiro banquete, digno de Reis e Rainhas, e a Gata Dani certamente se superaria no que quer que ela estava planejando.

Não havia muito o que a Elefanta pudesse fazer, exceto evitar atrapalhar os outros. Mas fora incumbida de uma tarefa importante, e não queria desapontar. Dar-se-ia um jeito, mas desceria dali para poder cumprir seu papel. Afinal, levara a noite toda, mas conseguira arrumar o salão para receber os convidados.

E nem estava tudo em cor-de-rosa! Podia-se avistar um pouco de verde, azul e roxo aqui e acolá. Havia muito branco no algodão posto para simular nuvens, e havia bastantes enfeites pendurados, o suficiente para quase obstruir a visão do teto em si. A diferença de altura entre os mesmos, porém, permitia um efeito onírico, especialmente misturados com o algodão.

Mas tudo iria literalmente abaixo se ela não conseguisse sair dali sem se desenganchar primeiro.

- Concentração! – pensou. Era só disso que precisava. Por alguns instantes, o salão foi tomado por silêncio enquanto se concentrava, mentalmente buscando por seu acervo mental. Não demorou muito até que ela começou a cantarolar, gradativamente aumentando o volume, até que lembrou da letra também e passou a cantá-la. Ao mesmo tempo, começou a mexer-se, acompanhando a própria voz. Um pouco de contorcionismo aqui, uma tromba acolá, um pouquinho de dança salsa e, “voilá”!

BAM!

E se o estrondo de toneladas no chão caindo de 5 metros de altura não acordasse o resto do Reino, em especial a Rainha, nada mais o faria. Ainda bem que amortecedores não lhe faltavam.

Recuperado o fôlego, em pouco tempo, a Elefanta estava de pé e andando para seu quarto, pois não podia deixar que a Rainha a visse naquele estado. Meia hora depois, estava pronta e posicionada em seu posto para as comemorações. Aguardando a ordem real para que pudesse abrir os portões.

Afinal, o que é uma festa sem convidados?


~*~*~*~


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