25 de novembro de 2014

Para ler: Baltimore e o Vampiro

Em uma fria noite de outono, sob um céu negro despido de estrelas e sem lua, o capitão Henry Baltimore apanha seu rifle, fita o sombrio abismo do campo de batalha e sabe, dentro de sua alma, que estas são as câmaras de tortura do inferno, certo de que a perdição o aguarda poucos passos à frente.

Ele pára apoiado em um joelho, tentando ouvir, porém o único som audível vem do gélido vento outonal que traz consigo um fedor de morte e ruína. Baltimore acena para os homens que o seguem descobrindo caminhos em meio ao negrume e então se arrasta até uma pequena elevação que poderia ser um monte de lama remexida pela guerra... ou um amontoado de corpos.
Para compensar a decepção que foi Drácula: o morto-vivo - um dos livros que menos gostei esse ano (sério, tem coisas nele que são simplesmente muito ridículas...) - decidi tirar da estante outro volume com vampiros que estava à espera e que me tinha sido muito bem recomendado. Aliás, eu provavelmente teria passado batida por Baltimore e o Vampiro não fosse a empolgação com que a Débora falou dele...

O livro é algo entre romance e quadrinho - Mignola traz sua experiência com HQ's para a dinâmica narrativa da história e as ilustrações em preto e branco nos ajudam a mergulhar no clima com que ele nos quer envolver. E, embora não pareça haver uma data certa para quando acontecem os fatos narrados no livro, eu fiquei com a I Guerra na cabeça - por causa das trincheiras e da descrição dos campos de batalha e dos motivos que levaram à explosão do conflito.

Baltimore e o Vampiro traz uma leitura clássica do mito vampiresco, mesclado com elementos de O Soldadinho de Chumbo - os capítulos inclusive começam com citações do conto de Andersen. Lorde Baltimore, que de vítima nas trincheiras se eleva primeiro a comida de morcego, depois a vingador divino, faz as vezes do soldadinho numa cruzada infernal contra a criatura que destruiu sua vida - criatura esta que foi chamada à existência pelos homens e pelo cheiro de morte e guerra e desperta para sua vocação de praga e pesadelo pelo próprio Baltimore.

A história nos é contada em vislumbres de três testemunhas - três homens que cruzaram com o protagonista, mas que também trazem suas próprias cargas e fantasmas para a mesa. Por terem também vivido desventuras sobrenaturais, eles são capazes de acreditar na história de Baltimore e o Inimigo que se ergueu na trincheira ao começo do livro. A forma como essas várias narrativas se interlaçam me fizeram lembrar do cenário de Decamerão, em que convivas fugindo da praga se reúnem contando histórias.

O clima gótico, o folclore antigo, a rica imagística sugerida pelas ilustrações - tudo isso se combina para fazer desse um título de arrancar arrepios. Li de uma sentada só, sem querer largá-lo antes de saber o final. E a jornada, por inteiro, certamente vale à pena. Mais que recomendado.


A Coruja


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5 comentários:

  1. E por mais incrível que pareça eu nem sabia da existência do livro também até trombar com ele na biblioteca. O nome de Mignola chamou atenção (e eu nem sabia que ele escrevia!), porque conhecia um pouco de seu trabalho e ilustrações. Mas este primeiro livro já me conquistou.
    Mas não sei porque ele finalizou a história toda em quadrinhos,

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    1. Pois é, Débora... eu acho, aliás, que esse livro também funcionava como um bom filme.

      O Mignola tem outro livro nos mesmos moldes desse chamado Joe Golem e a Cidade Submersa, só que no lugar de vampiros ele explora os mitos lovecraftianos. Dei esse volume de presente para o Dé, pede a ele uma resenha ;)

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  2. É sempre bom ler resenhas positivos de livros sobre vampiros. Confesso que o tema ficou tão over com a saga Crepúsculo e todas as séries na TV, que nunca me empolgo com esse tipo de livro. :/

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    1. A coisa que mais tenho raiva de Crepúsculo é o fato de que o Gaiman disse que deixou de escrever uma história sobre vampiros porque achou que o mundo já estava saturado deles após os Cullen... Mas, enfim, esse livro é legal, e não é só sobre vampiros. O Mignola conseguiu fazer algo diferente e ao mesmo tempo bastante fiel ao arquétipo. Vale à pena de verdade, tatá, acho que você especialmente ia gostar da pegada dele.

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