19 de junho de 2014

Desafio Corujesco: Diário Mínimo


Idealmente, o usuário não deveria poder entrar na biblioteca; admitindo-se que entre, usufruindo obstinada e antipaticamente de um direito que lhe foi concedido com base nos princípios da Revolução Francesa, mas que ainda não foi assimilado pela sensibilidade coletiva, não deve e não deverá de modo algum, excetuando as rápidas travessias da sala de consulta, ter acesso à penetrália das estantes.

Eu já tinha lido há muito tempo o Segundo Diário Mínimo de Umberto Eco – e rolado de rir com as tiradas, cutucadas e provocações intelectuais (e a intelectuais) que o autor fazia. Mas nunca tinha encontrado o primeiro volume dessa coletânea de crônicas. Aí que, quando eu menos esperava, a Record lançou os dois livros numa única edição, e alegremente troquei meu volume segundo antigo pelo volume único novo.

Sou suspeita para falar, considerando que já expressei mais de uma vez meu desejo de me casar com o Eco (ou com os livros dele, para ser mais exata...). Mas esse foi um dos livros mais divertido que li em muito tempo. O mais divertido de todos os tempos em termos de não ficção também.

Eco alia à prosa elegante – que já me conquistara dos seus habituais ensaios e romances – uma ironia nem um pouco sutil, até mesmo beligerante em muitos dos casos que narra aqui; tanto mais cortante quando se dirige ao mundo acadêmico, do qual o próprio autor faz parte, ou à burocracia governamental, que ataca sem piedade.

A primeira parte – que era a que eu ainda não tinha lido – às vezes depende de um conhecimento mais próximo da Itália, sua estrutura e sua história política, ou mesmo das referências literárias que Eco faz (gostei particularmente de sua releitura de Lolita e dos diálogos em futuros distantes pós-apocalípticos sobre a cultura humana como um todo); enquanto que a segunda parte vai por caminhos mais gerais e é mais fácil de se identificar - e a identificação é, aqui, uma parte importante do humor.

O melhor é que ele consegue fazer isso num tom de quem conta anedota em mesa de bar. Há uma fluidez e perspicácia impressionantes – mesmo em seus artigos em formato de lista. Parte disso se deve ao fato de que a maioria dos artigos faz referência a situações cotidianas em que todos nós já nos encontramos, situações com que estamos (tristemente) familiarizados.

Bônus: Escrevendo uma carta que provavelmente nunca enviarei, mas...

Querido Eco,

Há uma infinidade de motivos pelos quais colocar você em meu panteão de autores favoritos. Sua erudição, seu extraordinário senso de humor, sua paixão por aquilo que faz e escreve que é perfeitamente perceptível em cada uma de suas obras, seu mundos fascinantes e extraordinariamente reais... Obrigada por nos brindar com seu talento e sua imaginação. Obrigada por suas histórias, pelas horas que passei em bibliotecas medievais e ilhas perdidas, na companhia de tantos personagens maravilhosos.

Espero ansiosamente pelo próximo.

D. Coruja.



A Coruja


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2 comentários:

  1. Oi Lu!
    Ainda estou firme e forte no seu desafio :-)
    Confesso que já deixei os bônus de lado, até porque não conseguiria escrever para a Amélie Nothomb, mas tudo bem, o que importa é continuar lendo, né?
    Aqui a minha resenha de junho
    http://leiturasdelaura.blogspot.com.br/2014/06/les-combustibles.html
    Beijos!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu tô devendo comentar as suas resenhas também, né? Mas andei bem enrolada esses últimos tempos... Não esqueci de ti, vou lá nas suas leituras depois dar uma olhada, viu?

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