24 de maio de 2014

Para ler: O Jardim Secreto

Havia algum mistério no ar naquela manhã. Nada estava sendo feito na ordem habitual, e Mary tinha a impressão de que havia muito menos criados que de costume na casa. Além disso, os poucos criados que ela viu estavam se esgueirando pelos cantos ou andando às pressas de um lado para o outro, com rostos pálidos e apavorados. Mas nenhum deles lhe disse nada e sua aia não apareceu. Mary, na verdade, ficou abandonada durante boa parte da manhã e, por fim, acabou decidindo ir para o jardim e brincar sozinha debaixo de uma árvore, perto da varanda. Fingiu que estava fazendo um canteiro de flores e espetou grandes botões vermelhos de hibisco em montinhos de terra. E o tempo todo, enquanto brincava, ia ficando cada vez mais zangada, resmungando consigo mesma o que iria dizer para Saidie quando ela aparecesse e os nomes feios de que iria chamá-la.

Embora esse ano tenha sido a primeira vez que li esse livro, sua história faz parte das minhas lembranças de infância mais saudosas por causa do filme que passou infinitas vezes na Sessão da Tarde, junto com outro filme inspirado num título da mesma autora - A Princesinha. E em respeito a essa memória, foi com certa trepidação que peguei o volume para ler, temendo que reencontrar O Jardim Secreto na idade adulta de alguma forma distorcesse o encanto que senti por ele na infância.

O exato oposto, contudo, aconteceu. Descobri que independente da idade, a história de Mary, Colin e Dickon é ainda tão bela, tão verdadeira e tão fascinante quanto da primeira vez que tive contato com ela.

Mary é uma criança enfermiça e ranzinza que perde os pais para o cólera na Índia, passando para a tutela de um tio na Inglaterra. A princípio, ela é uma personagem bem difícil de gostar, antipática e tirânica, mas, pouco a pouco, ela vai tomando consciência de sua própria solidão e isolamento, e passa a se importar mais e se abrir mais com aqueles que a cercam.

Essa atitude vai fazer com que ela descubra o jardim que pertenceu a falecida esposa de seu tio. Após a morte da mulher, o homem fechou o jardim e simplesmente abandonou a casa e todas as suas responsabilidades, deixando-se consumir pela dor e amargura.

Mais tarde, Mary também encontrará o primo, Colin, que é tão tirânico e egoísta quanto ela mesma a princípio. Sentindo-se rejeitado pelo pai, convencido de sua fragilidade e sua culpa na morte da mãe, Colin vive preso a sua cama, tendo ataques histéricos e tentando monopolizar as atenções de todos, ainda que saiba que ninguém se importa ou gosta dele.

Entre um e outro há Dickon, o irmão de Martha, uma das criadas da casa. Dickon é o exato oposto de Colin e Mary: saudável, contente consigo mesmo, simpático e aberto a todos. Dickon é quase sobrenatural em sua capacidade de amar e se fazer amar – todo tipo de bicho, selvagem ou domesticado, enamora-se dele.

Todos esses personagens vão convergir para o jardim e ali vão descobrir o que significa pertencer um ao outro, importar-se, amar, ser feliz. Dickon é um facilitador para Mary e Colin, os dois protagonistas, que pela primeira vez em suas vidas descobrirão o que significa felicidade.

Eu quase não consegui largar o livro nos dois dias que levei para chegar ao final – e isso porque eu sabia qual era o final, já que conhecia a história por causa do filme. Mary, Colin, Dickon e todos os outros personagens são reais e fascinantes, emocionam. A edição da Penguin, lançada aqui no Brasil pela Companhia das Letras é primorosa, com uma introdução que é uma análise excelente, posfácio e notas de rodapé que ajudam na compreensão do contexto.

Definitivamente, é um livro que vale à pena ler e reler em qualquer idade, para encantar e nos lembrar sempre.


A Coruja


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2 comentários:

  1. Ai Lu, eu já tinha tanta vontade de ler esse livro, por ser um clássico e as vezes eu me obrigar a ler um, mas como você tinha medo de apagar a lembrança boa do filme. Agora me animei mais. Obrigada pela dica e por mais essa linda resenha.

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    1. Eu realmente, REALMENTE recomendo. Eu terminei a leitura mais leve, com um sorriso bobo no rosto - me lembrei muito do filme enquanto lia e de como eu amava assisti-lo na sessão da tarde e acho que essa é uma história que não envelhece, sabe? Uma história que encanta qualquer que seja a idade em que a peguemos. Fiquei muito feliz de ter a oportunidade de ler o livro e essa edição da penguin está realmente um espetáculo.

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