20 de dezembro de 2012

Projeto Baudelaire: Mau Começo

Quem conhecesse bem Violet logo perceberia que ela estava firmemente concentrada em suas reflexões, porque havia amarrado os cabelos com uma fita para afastá-los dos olhos. Violet tinha uma forte inclinação para inventar e montar aparelhos estranhos, por isso o seu cérebro volta e meia se via tomado por imagens de roldanas, alavancas e engrenagens, e ela fazia questão de nessas horas não ser distraída por algo tão banal como seus cabelos.

Nessa manhã ela estava pensando em como construir um aparelho que permitisse recuperar as pedras depois de serem atiradas no mar.

Klaus Baudelaire, o irmão do meio, e o único menino, gostava de examinar os seres minúsculos que pululavam nas piscininhas formadas à beira d'água. Klaus tinha pouco mais que doze anos e usava óculos, o que lhe dava um ar inteligente. E ele era inteligente. Os Baudelaire pais possuíam uma enorme biblioteca em sua mansão, uma sala com milhares de livros sobre todos os assuntos imagináveis. Aos doze anos, é claro que Klaus não poderia ter lido todos os livros da biblioteca dos Baudelaire, mas lera uma porção deles, e era impressionante como retinha na memória a quantidade de informações assim obtidas. Sabia distinguir perfeitamente o aligátor, crocodilo do Mississipi, dos crocodilos de outras partes do mundo. Sabia o nome de quem matou Júlio César. E sabia milhões de coisas sobre as esquivas criaturinhas de beira-mar encontradas na Praia de Sal que atraíam naquele momento sua atenção.

Sunny Baudelaire, a mais nova da trinca, gostava de morder coisas. Era ainda quase um bebê e muito pequena para sua idade, pouco maior que uma bota. A pouca altura era compensada, no entanto, pelos quatro dentes bem grandes e afiados.
Eu comecei a ler Desventuras em Série por indicação de uma grande amiga que tem um gosto literário muito parecido com o meu. A princípio, estranhei um pouco o ritmo e a narrativa, mas fui aos poucos pegando o ritmo e quando dei conta de mim, eu estava ofegante, descabelada e em risco de crise de abstinência no espaço entre terminar um livro e começar outro até chegar ao épico final.

Mas hoje não vamos falar de finais e sim de começos. Porque hoje iniciamos um dos novos projetos do Coruja para 2013. Sim, meus caros: se o mundo não acabar e Do Gênesis ao Apocalipse findar depois de amanhã, vem ficar em seu lugar o Projeto Baudelaire! Afinal, o que melhor do que tratar dos treze desventurados volumes dessa série no ano 13? Claro que como um ano tem doze meses, tive de adiantar o projeto para o último mês de 2012 para fechar as contas certinho, mas... não importa, vocês entenderam o ponto.

Violet, Klaus e Sunny são as três crianças Baudelaire em torno das quais a história e todos os seus tristes eventos gira. O mau começo do título é a morte de seus pais num incêndio misterioso da mansão da família enquanto as crianças se encontravam fora.

Órfãos, os irmãos são despachados para viver com um primo distante, o sombrio Conde Olaf que tem, na realidade, um único interesse: colocar as mãos na fabulosa fortuna dos três.

Infelizmente – para ele – a herança não pode ser tocada até que Violet complete dezoito anos. Não que isso faça diferença para um homem como o Conde, que é obviamente acostumado a um estilo de vida criminoso... e incendiário.

Tanto é assim que Olaf, que é também um ator e tem a sua disposição uma trupe de artistas digna de figurar num circo de horrores, decide encenar uma peça cujo mote e cena principal é um casamento... tendo como protagonistas ele mesmo e Violet.

A essa altura talvez seja importante lembrar que os três irmãos são crianças excepcionais: Violet é uma cientista, Klaus um leitor serial de memória e compreensão prodigiosas e Sunny tem dentes que deveriam ser categorizados como armas e ferramentas de primeira necessidade. Elas são inteligentes o suficiente para perceber aquilo que nenhum dos adultos ao seu redor é capaz de ver: que Olaf é um homem perigoso, e que não vai parar por nada para atingir seus objetivos, por mais moralmente reprovável que tal atitude possa ser julgada.

Considerando que estamos falando de um livro voltado para um público infanto-juvenil, é notável o quão pouco ingênua é essa história (e se ela começa em tons de preto e branco bem definidos, em livros mais para frente veremos a coisa se tornar cada vez mais ambígua e cinzenta, mas deixemos isso para quando chegar a hora...). A narrativa é clara, sem subestimar a inteligência do leitor, com um narrador tão ridiculamente pessimista que a todo momento ele pede que você feche o livro e vá fazer algo mais alegre – e se o clima é constantemente macabro e no mais das vezes nos encontramos diante de situações absurdas, nem por isso a história é menos cativante.

Ele certamente seria um dos livros de cabeceira para ler para meus filhos imaginários (ou para a Dani, minha filha adotiva em que gosto de praticar lavagem cerebral). Um saudável gosto por novelas vitorianas com tons góticos em que crianças são as personagens que demonstram mais força e bom senso num mundo de teorias de conspiração e máscaras literais ou metafóricas deve, afinal, ser sempre encorajado.


A Coruja


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6 comentários:

  1. Quero muito ler Desventuras em série um dia. Adorei o filme, e algumas pessoas falaram que é ótimo. Sem contar que o autor é mó viajado, inventando quase que um personagem pra si mesmo.

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    1. Os livros são excelentes, muito superiores ao filme, inclusive. Eu mais que recomendo!

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  2. Desventuras em série é otimo!!! Ia lendo a medida que os livros eram lançados, é uma coleção que guardo para dar para meus filhos também!

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    1. São livros para ler e reler e aproveitar com os pequenos, não é mesmo?

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  3. Eu amo essa série *--* E ela apresenta muito mais significados que crianças não poderiam perceber, mas mesmo assim merece ser lido e relido. Irei adorar acompanhar essa jornada. Quem sabe até releia os livros?

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    1. Exatamente, eles têm tantas camadas de significados, tanta coisa legal... sou apaixonada pela série! E releia, sim, é tão bom reler!

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