17 de maio de 2012

Um Estudo em Sherlock – Parte IV: “My life is spent in one long effort to escape from the commonplaces of existence.”

- Meu caro amigo - disse Sherlock Holmes enquanto nos sentávamos um de cada lado da lareira em seu apartamento da Baker Street -, a vida é infinitamente mais estranha do que qualquer outra coisa que a mente humana possa arquitetar. Não ousaríamos imaginar aquilo que é verdadeiramente corriqueiro na existência. Se pudéssemos voar para fora daquela janela, de mãos dadas, pairar por cima desta grande cidade, destelhar de leve as casas e olhar para dentro para ver as coisas esquisitas que estão acontecendo - as estranhas coincidências, os planos feitos, as desavenças, as maravilhosas correntes de fatos que acompanham as gerações e levam aos resultados mais outrés, a ficção ficaria reduzida, com seu convencionalismo e conclusões previstas, a uma coisa vulgar e inaproveitável.

- Um Caso de Identidade -
Sherlock Holmes não é exatamente um homem social. Aos seus olhos, o mundo parece muitas vezes ser um grande tabuleiro de xadrez no qual as pessoas que cruzam seu caminho são peças a serem utilizadas e mais ou menos descartadas após servirem aos seus propósitos.

Há Mrs. Hudson e Billy, respectivamente a senhoria e o criado pessoal de Holmes; o exército de crianças que ele emprega como os Irregulares de Baker Street e que desaparecem de cena após O Signo dos Quatro; Shinwell Johnson em O Cliente Ilustre, que de indivíduo com “fama de perigoso” se torna aliado e informante do detetive, como também Langdale Pike em A Aventura dos Três Gables, e o naturalista Mr. Sherman, que empresta o vira-lata Toby em O Signo dos Quatro - um cão que Holmes diz preferir à inteira força da Scotland Yard.

Todos esses nomes aparecem apenas de passagem; só nos é dado um vislumbre de suas figuras. Ainda que seus conhecimentos e colaboração possam ser decisivos para os casos investigados, temos sempre consciência que eles são meras alternativas, atalhos para o intelecto de Holmes.

Nas dezenas de histórias que Doyle escreveu, a única constante para o detetive é Watson, mesmo quando ele está ausente. Holmes não tem amigos, exceto pelo bom doutor – e ele mesmo o sublinha em As Cinco Sementes de Laranja. Ele até cita outro nome, Victor Trevor, colega de universidade, mas tal afinidade desapareceu após Sherlock deduzir alguns fatos envolvendo chantagens feitas ao pai do rapaz.

Ao analisar o caráter de Holmes, uma das variáveis mais importantes que percebemos do personagem foi exatamente esse toque anti-social: tudo o que Sherlock Holmes faz, - seus hábitos, seus vícios, suas manias – tudo é uma forma de fugir às conformações da sociedade.

Isso é um bocado surpreendente, a se considerar o quão reprimidos e recalcados eram os vitorianos (estamos falando de gente que precisava cobrir as pernas das mesas para não pensarem em sexo). No mais das vezes Watson tenta nos passa a idéia que o mundo vê seu detetive apenas como uma criatura excêntrica, mas é possível ler nas entrelinhas o quanto Holmes realmente não se encaixa, não segue as normas sociais.

Ao fim e a cabo, a sociedade como um todo, para Holmes, é apenas uma cansativa repetição de histórias, sem grande criatividade, sem apresentar grandes desafios.

Não é à toa que os grandes marcos de sua vida e carreira sejam justamente aqueles em que seu caminho cruzou com pessoas que, como ele, não se conformavam com tais normas. Pessoas que caminhavam à margem não apenas da sociedade, mas também da lei – e é realmente curioso pensar que ele tinha muito mais em comum com as grandes mentes criminosas de Londres do que com o homem médio cuja justiça ele lutava para fazer.

Os nomes desses adversários são os que lembramos primeiro quando falamos de Mr. Sherlock Holmes e Doutor John Watson. Irene Adler e o Professor Moriarty provavelmente são os mais famosos, mas outros merecem também uma nota em sua defesa (ou condenação).

Começando do começo, temos o ambíguo Jefferson Hope, de Um Estudo em Vermelho. Hope é um personagem interessante, uma vez que não é simplesmente um assassino, mas um verdadeiro vingador, tendo investido a vida inteira – literalmente – em fazer justiça à memória da mulher que amou. Ele é um homem morto, seu coração é uma bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento; ele não tem motivos para se preocupar com o que a lei dos homens possa fazer a ele.

A posição de Holmes muda desse caso para Charles Augustus Milverton e Abbey Grange, duas histórias que se passam quase uma década após, em que pessoas comuns tomam para si o papel de fazer justiça e onde Holmes não apenas silencia quaisquer acusações como chega a destruir evidências. A diferença de um caso para os outros é justamente o tempo – quando prendeu Hope, Holmes estava ainda no início de sua carreira e não podia se arriscar demais, enquanto mais tarde, com uma reputação sólida de amante da lei, sua palavra poderia ter peso suficiente para livrá-lo de uma acusação por atrapalhar investigações policiais.

E já que tocamos no nome de Milverton... Holmes o considera “o rei dos chantagistas” e “o maior canalha de Londres” e ainda acrescenta:
Você não tem uma sensação de nojo, Watson, quando vê as serpentes no Jardim Zoológico, aqueles animais viscosos, furtivos, venenosos, de olhos assassinos e cabeças chatas e repulsivas? Pois bem, é essa a impressão que me causa Milverton. Já lidei com cinqüenta assassinos em minha carreira, mas o pior deles jamais me causou a sensação de repulsa que esse sujeito me inspira.
Há qualquer coisa de... ‘mefistofélica’ em Milverton. Ele é, sem dúvida, um dos piores adversários de Holmes – e não digo isso no sentido de que ele represente um grande desafio (embora o seja, porque, tecnicamente, ele não é um criminoso uma vez que suas vítimas não o denunciam e a lei não pode enquadrá-lo), mas porque ele não tem qualquer moral. Mesmo Moriarty tem um certo código de conduta.

Por último nessa minha lista resumida, Jack Stapleton, de O Cão dos Baskervilles divide com Milverton o título por falta de moral, mas ganha em termos de sadismo – para herdar a propriedade e fortuna dos Baskervilles, ele não hesita sequer em jogar a própria esposa (que apresenta como irmã) nos braços de sua futura vítima. Ele usa e manipula as pessoas de forma magistral e, francamente, me dá arrepios de medo...

Os Homens da Rainha: "I'm afraid that all the queen's horses and all the queen's men cannot avail in this matter"


Além dos criminosos, são constantes nas aventuras de Sherlock Holmes inspetores da Scotland Yard. O mais lembrado e conhecido é Lestrade, mas há muitos outros nomes a lembrar: Tobias Gregson, que é um grande rival de Lestrade e praticamente compete com este em Um Estudo em Vermelho, o esperto Baynes, de Wisteria Lodge, o jovem Stanley Hopkins que é fã dos métodos sherlockianos; e o bonachão Alec MacDonald de O Vale do Medo. Esses são só alguns (os meus preferidos, confesso), mas já servem como uma boa amostra dos homens da rainha.

Já observamos antes como Sherlock Holmes evolui ao longo das décadas em que suas histórias foram originalmente publicadas, seja na mudança de comportamentos, seja na absorção de novas tecnologias (o telefone, a eletricidade, automóveis) ou novas técnicas de investigação (o estudo das digitais e o uso de microscópio na busca por evidências forenses). O tratamento que Holmes dispensa aos detetives da Scotland Yard também passa por mudanças e reflete a realidade da época.

Na verdade, Doyle buscou muito de sua inspiração na vida real. Diversos de seus casos podem ser inseridos em fatos históricos. Adler, por exemplo, certamente faz referência a Lola Montez, dançarina amante do rei da Bavária, Ludwig I; Adam Worth passou à História como um Napoleão do Crime e não esqueçamos que o nosso protagonista era da mesma safra do Dr. Joseph Bell.

O notório desprezo de Holmes para com a Scotland Yard em suas primeiras histórias também tem suas raízes para além da incompatibilidade de técnicas de investigação. Em 1877, a instituição foi quase desmantelada em virtude de um escândalo de corrupção de proporções gigantescas. Os detetives envolvidos nas fraudes e chantagens descobertas foram julgados e a polícia passou por uma série de reformas.

Demoraria um pouco, contudo, para que a opinião pública voltasse a acreditar na Scotland Yard. A desconfiança de Holmes em relação à capacidade dos inspetores, portanto, não deixa de ser a própria desconfiança de Doyle e da sociedade da época como um todo.

Com o tempo, as reformas implementadas após o escândalo, que culminaram com a criação do Departamento de Investigação Criminal, foram tomando efeito; e, num caminho inverso da ficção para a realidade, a Scotland Yard começou a adotar técnicas científicas e estudos forenses que tinham sido primeiro pensadas por Holmes.

Para se ter uma idéia, o teste químico em que Holmes está trabalhando quando ele e Watson são apresentados em Um Estudo em Vermelho levaria ainda treze anos para ser desenvolvido de verdade, com as conseqüências para o campo da criminologia que o detetive (e Doyle) já tinham previsto.

Essa mudança também é visível no tratamento que os inspetores ganham nas histórias, que não apenas são recebidos com mais familiaridade e gentileza por parte de Holmes – como se pode ver no início de Os Seis Bustos de Napoleão, onde Lestrade tornou-se uma visita esperada e habitual de Baker Street mesmo em caráter não oficial – como ainda passam a resolver seus casos sozinhos, sem auxílio do detetive – vide Baynes em Wisteria Lodge.

Irene Adler: "She is the daintiest thing under a bonnet on this planet."


Vejamos agora Irene Adler, ou, como ficou conhecida no cânone, A Mulher (sempre com maiúsculas!). Nascida em Nova Jersey em 1858, tornou-se uma famosa contralto, tendo atuado em óperas em Milão e na Polônia, onde conheceu a tornou-se amante do Rei da Boêmia – e, por conseqüência, uma ameaça posterior aos planos do rei de fazer um bom casamento dentro da nobreza.

Contratado para recuperar uma foto comprometedora do rei com a jovem aventureira, Holmes se disfarça para ganhar acesso à casa da cantora. Extraordinariamente bela, inteligente e perfeitamente capaz de se virar e se defender sozinha, Adler não apenas impressiona o detetive, como também o derrota em seu próprio jogo.

Ao contrário da forma como foi trabalhada em recentes adaptações, Irene Adler não é uma mente criminosa em conluio com Moriarty. O termo ‘aventureira’ utilizado para descrevê-la é uma aproximação de ‘cortesã’ – mas é bom lembrar que o simples fato de ser uma artista coloca Adler à margem da sociedade e, por conseqüência, às vistas do resto do mundo da época, quase uma prostituta.

Não concordo com essa acepção de Adler. A motivação por trás de suas ameaças com a foto não são ganhos materiais. Ela não chantageia o rei, simplesmente. Não há nada para ela ganhar na história a não ser destruir a nobre aliança que está sendo engendrada nos bastidores – e, por conseqüência, destruir sua própria vida. Porque vossa alteza real até poderia perder sua noiva por conta do escândalo, mas ele sobreviveria a isso recebendo tapinhas no ombro por ter conseguido conquistar 'A Mulher'. Mas Adler ficaria para sempre marcada como a amante rejeitada, bens usados, e, pior, capaz de todas as indiscrições.

Não há fúria no Inferno como a de uma mulher desprezada”, já escrevia William Congreve. E é exatamente esse o caso aqui. Mesmo sabendo das conseqüências, que seriam muito piores para si, Adler ameaça o ex-amante não por cálculos frios, mas por paixão, a idéia de que “se eu não tenho você, ninguém mais vai ter”.

O admirável nessa história é que ela não o faz cegamente, sem ter noção dos riscos a que estará exposta posteriormente. Ela é inteligente demais para não ter plena consciência do que está em jogo.

O que muda as apostas é Godfrey Norton. Não somos convidados à intimidade do que acontece entre o advogado e a cantora, mas dá-se a entender pelas palavras finais de Adler em sua carta que agora que ela tem que a ame de verdade – e que a respeita o suficiente para lhe dar seu nome e proteção através do casamento – não precisa mais do rei. A foto não é mais ameaça e sim uma proteção (de onde podemos concluir que a possessividade de Adler não é uma via de mão única).

Nesta confusão de desejos, amores, política e vingança, por que diabos Holmes se impressiona tanto com a figura de Irene Adler – a ponto de ela ser sempre lembrada em sua carreira, e a despeito da misoginia casual com que o detetive trata a metade do mundo que pertence ao ‘belo sexo’?

Irene Adler e Sherlock Holmes não chegam sequer a ter um diálogo completo ou uma troca de provocações. O único contato real dos dois é quando ela lhe agradece por ter servido como testemunha em seu casamento – e ele está disfarçado na ocasião (o que faz pensar se o casamento, no final das contas, não seria nulo, considerando que a testemunha assinou com um nome falso...). Eles não chegam realmente a trocar palavras quando ele consegue ser levado para dentro da casa dela.

A despeito disso, contudo, ela é capaz de reconhecê-lo, de compreender num único relance que não traiu seu segredo por mera coincidência e de agir imediatamente para responder à nova ameaça que o detetive representa. Ela não hesita em tomar as decisões necessárias e seguir até o fim com elas.

A verdade, contudo, é que Adler não teria saído vitoriosa em Escândalo na Boêmia se Holmes não a tivesse subestimado. Por mais esperta que fosse, quando ela revela inadvertidamente onde estava a foto, Holmes poderia ter imediatamente agido. Ela estava vulnerável – mesmo que chamasse os criados para ajudá-la, havia Watson do lado de fora e uma turba que fora contratada pelo detetive para seu teatro pouco antes. E o que diria se chamasse a polícia? No momento em que fossem revelados seus planos e o nome do cliente por trás de toda a história, ela estaria perdida.

Holmes, contudo, quis ser cavalheiro. Ou quis saborear um pouco mais sua vitória, determinado a, no dia seguinte, transformar a sala de estar da agora Mrs. Norton num palco, usando Watson e o rei como platéia. Seja como for, ele a subestimou e ela aproveitou a brecha, virando completamente a mesa.

Irene Adler foi uma lição na carreira de Holmes. Aos olhos do detetive, ela ‘eclipsava e se sobrepunha a todas as outras mulheres’, e após seu encontro com ela, segundo Watson, ele não mais zombou da sagacidade feminina.

[Dé: E seria um idiota se o fizesse, afinal, uma mulher foi quem acabou de passar a perna nele. O golpe sempre dói mais quando vem de onde não se espera.

Lu: Falou a voz da sabedoria!]


Professor Moriarty: "He is the Napoleon of Crime, Watson."


É bastante curioso, a se considerar o peso que Holmes impõe ao nome de Moriarty em O Problema Final que aquela seja a primeira vez que Watson – e nós, leitores, por conseqüência – ouçamos falar do professor. E a coisa fica mesmo só no ‘ouvir falar’, pois temos apenas um único vislumbre do grande Napoleão do Crime.

Mais curioso que isso, talvez só o fato de que após jurar que nunca soube da existência de Moriarty em O Problema Final, Watson recite quase o mesmo discurso com que foi presenteado às vésperas da ‘morte’ de Holmes em O Vale do Medo.

Furos de roteiro e contradições à parte – porque, realmente, se você for prestar atenção nessas barbeiragens do Doyle, não vai mais sair do lugar – o mistério que envolve a figura sempre envolta em sombras do professor serviu de combustível para inúmeras teorias da conspiração entre os fãs do detetive.

Destas teorias, uma das minhas favoritas é a que li em Sherlock Holmes – the unauthorized biography, que liga Moriarty aos terroristas irlandeses. É uma teoria que se sustenta pela origem do sobrenome do professor e, principalmente do contexto histórico-social da época – para se ter uma idéia, o IRA surgiria em 1919, fruto de uma série de revoltas e guerrilhas da virada do século (e ainda mais antigas). Isso colocaria Moriarty não como um criminoso comum (se é que você pode chamar de criminoso comum alguém que serve como um mestre de marionetes de todo o submundo britânico), mas como um adversário ideológico – muito mais da alçada de Mycroft que de Sherlock Holmes.

Renninson, o autor do livro, lembra que o próprio Holmes, em Seu Último Adeus, confessa ter trabalhado incógnito ao longo de dois anos, infiltrando-se em uma sociedade secreta irlandesa nos Estados Unidos por ordens do Governo Britânico, a fim de se tornar confiável para um espião alemão, às vésperas da Primeira Guerra – e daí por diante teoriza que o detetive o teria conseguido pelos contatos que já fizera anteriormente quando ainda investigava Moriarty.

Em termos criminosos eu (e o Holmes também, a julgar por suas palavras) considero Milverton muito mais intragável. Milverton, contudo, não possui a finesse de Moriarty para se tornar o grande rival do único detetive consultor do mundo, simplesmente porque o lucro é seu objetivo último.

Para o Professor James Moriarty, por outro lado – a julgar pelas palavras apaixonadas de Holmes – o lucro é apenas parte do jogo. Ele é o compositor e maestro de todos os grandes crimes, é a mente por trás de “metade do que é mau e de quase tudo o que está escondido nessa grande cidade”:
Ele é um gênio, um filósofo, um pensador abstrato. Tem um cérebro de primeira ordem. Senta-se imóvel como a aranha em sua teia, mas sua teia tem milhares de ramificações. Além disso, conhece perfeitamente os pontos sensíveis de cada uma delas. Ele próprio pouco faz; apenas planeja. Mas seus agentes são numerosos e magnificamente organizados. Há um crime a cometer, um documento a subtrair, uma casa a roubar ou um homem a eliminar... passe-se a palavra ao professor Moriarty, e a coisa será feita. O agente pode ser preso, mas aparece o dinheiro para sua fiança ou defesa. E o poder central que o arregimentou nunca é apanhado... nem uma suspeita, sequer. Foi a existência dessa organização que deduzi, Watson. E foi à tarefa de denunciá-la e destruí-la que devotei toda a minha energia.
Doyle inventou Moriarty com o propósito único de destruir Holmes. Mas o fez de tal maneira que criou um dos personagens mais icônicos da ficção, junto com o detetive e seu Boswell. É impossível não lembrar dele ao fazermos uma lista dos maiores vilões literários; e isso sem nunca o vermos efetivamente em ação. Há a sugestão de que tudo o que Sherlock Holmes investigou até ali tem ligação com o vilão - e considerando o que já se tinha lido acerca dos trabalhos do detetive, isso significa algo digno de respeito - mas não passa de especulação.

Essa ausência, aliás, junto com o fato de que Holmes obviamente teme Moriarty, como nunca precisou temer nenhum de seus outros adversários (ele mesmo o confessa a Watson) é um dos motivos que tornam o professor tão terrível: ele é como um fantasma, uma presença que está em todos os lugares, o monstro no armário e debaixo da cama.

Ele e Holmes são literalmente duas faces da mesma moeda, duas forças que se cancelam – ou, ao menos, assim deveria ser pelos planos iniciais de Doyle. Ambos são extremamente inteligentes, ambos se vêem acima da lei (o detetive no sentido de que ele é a lei e a última corte de apelação) e ambos têm um bom companheiro que foi herói de guerra.

Sim, porque enquanto Holmes tem ao seu lado um médico do exército que participou das batalhas no Afeganistão, o braço direito de Moriarty é o Coronel Sebastian Moran que também lutou no Afeganistão e em seu tempo livre gostava de colecionar cabeças de tigres na Índia.

[Dé: Que manso.

Lu: Uma simpatia, não é?]


Aliás, na série da BBC, se você assistir o início do primeiro episódio com bastante atenção, na cena em que Watson está se lembrando da guerra... alguém grita o nome Sebastian. Quando descobri isso, quase caio da cadeira, imaginando o rolo que pode estar por vir na terceira temporada.

Moran é o adversário de Holmes em A Casa Vazia, a história que conta o retorno do detetive de seu Grande Hiato. O confronto dos dois aqui é narrado, ao contrário do que acontece em Reichenbach, mas isso não impede que o coronel seja um personagem tão misterioso quanto o Professor Moriarty. Considerando que além do status de herói, Moran era um aristocrata – seu pai possuía um título e foi inclusive ministro do governo – é difícil compreender porque ele escolheria entrar para o serviço do professor e manter fidelidade a ele mesmo depois do homem morto.

Voltando a Moriarty, o professor – e é sempre bom utilizar o honorífico, uma vez que há dois outros Moriartys à solta em Londres (um coronel e um chefe de estação, nenhum dos dois aparentemente ligados ao império do irmão mais famoso) – é uma figura quase caricata na descrição de Holmes, com direito até mesmo a tiques reptilianos (um movimento que é lembrado à exaustão em The Hound of the D'Urbervilles, de Kim Newman e com que me diverti um bocado). Porta-se, contudo, com uma admirável fleuma e dignidade no encontro que o detetive narra para Watson – é, enfim, um verdadeiro cavalheiro, mesmo que criminoso e, por isso, um igual com o detetive.

Nada como receber seu arquiinimigo para o chá enquanto trocam amáveis ameaças por cima dos biscoitos... Megalomania e insanidades à parte, você nunca estará em falta de uma boa conversa!


(Continua em “Quick, man, if you love me!”)


A Coruja


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7 comentários:

  1. Eu sempre tive uma enorme vontade de ler os livros que trazem como personagem principal Sherlock Holmes, acho que mesmo que você cresça sem saber da obra literária, é impossível não ouvir falar do grande detetive.
    Excelente post!!!

    Bjs

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    1. Concordo completamente, Juliana. Parte do fascínio de Sherlock está justamente no fato de que ele já faz parte da imagística popular, da nossa cultura, mesmo sem o termos lido... mas vale à pena conhecer as histórias! Não deixe de ler quando tiver oportunidade!

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  2. ... entao o cara q aparece como braco direito do professor nos filmes recentes ja existia nos livros tb...?

    eu nao quero nem pensar o q ocorria entre esses dois pra sebastian (LOL) manter a fidelidade... XP

    e LOL tb pro comentario final sobre cha, mas eu lembro que vc apontou o fato de q td mundo tem o tel d td mundo na serie da bbc, o q eh massa... entao o q custa Lestrade virar companhia esperada e Moriarty ser companheiro de cha? XP

    ps. plz diz q vc vai falar algo de mycroft!!! eu adoro o mycroft!! >.<

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    1. Sim, Ísis, o Moran é o protagonista do conto "A Casa Vazia".

      Você pode pensar o que acontecia, tem uma tonelada de fanfics sobre o assunto...

      Infelizmente, o que eu tinha para falar do Mycroft, eu já falei. O especial está mais focado no cânone e no cânone o Mycroft é uma figura muito pouco utilizada...

      Mas descobri que existem sequels de Sherlock que centram no Mycroft. Estou providenciando para ler ao menos uma para poder fazer a resenha e aí poderei escrever sobre Mycroft, para sua alegria. ;)

      Cá entre nós, agora que você tá no Japão, tem aparecido bem mais aqui no blog, né? XD

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    2. pra comeco de conversa, eh SHerlock! <3
      HUAHUAHAU!

      fa eh fogo. Ontem encontrei um video de "casais do mal"... 1o ex: Gaston e Ursula. LOL. (o melhor foi o par do Hades... HUAHUHUA)

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  3. *esperando um post especial só dos outros autores trabalhando com o Holmes*

    *lembra de Um Estudo em Esmeralda e fica AINDA MAIS ansioso pelo post sugerido*

    Ótimo texto. Confesso que não sou grande fã do detetive...li Um Estudo em Vermelho e o Enigma dos Quatro, apenas, e nenhum deles foi suficiente para despertar minha curiosidade pelo universo sherlockiano. Gosto, no entanto, de me informar sobre tudo e estou acompanhando o estudo com afinco.

    ps.: vou responder a pergunta sobre "novos posts" por aqui, se você não se importar. Na verdade, tenho três posts já escritos, prontos para serem postados. Mas eles estão no período de maturação textual: deixo-os descansando por algumas semanas, e depois os leio novamente. Se ainda estiverem a contento, ganham a luz do dia. Caso contrário...vão às masmorras, serem continuamente editados.

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    1. Você é mais perfeccionista do que eu XD Eu fico indo e vindo e revisando e revisando, mas sempre acaba passando alguma coisa batida... só que eu não consigo deixar os posts maturando depois de escritos. Fico maluca. Tenho de colocá-los no ar.

      Bem, vou estar esperando novidades lá. Enquanto isso... essa já é a última semana do especial. Espero que goste do final! XD

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