13 de abril de 2012

Na sua estante: cenas de um casamento - parte I





#115: Save The Last Dance For Me
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A igreja já estava razoavelmente cheia quando ela entrou discretamente pela nave lateral, vinda da saleta em que Penélope esperava antes de começar a marcha nupcial. Beatriz tinha absoluta certeza que a bibliotecária mal registrara sua presença em meio ao caos organizado que eram a mãe e a sogra juntas, correndo para ajeitar os últimos detalhes.

Não que Penélope tivesse notado essa parte também. De uma forma geral, ela apenas ficara sorrindo beatificamente, enquanto deixava todos fuçando e se preocupando ao seu redor, olhos perdidos em algum horizonte desconhecido – talvez observando o caminho que levara até ali, talvez adivinhando o futuro.

Beatriz sorriu para si mesma ao olhar para a figura de Arquimedes junto ao altar. A atitude dele era bastante semelhante a de Penélope. Nenhum dos dois parecia nem de longe nervoso com todas as mudanças acontecendo em torno deles. E por que estariam? No final das contas, aquilo era apenas uma formalidade. Há muitos que eles já tinham entregue o coração aos cuidados do outro.

Ela procurou com os olhos o irmão e seu sorriso aumentou ao perceber que ele estava sentado ao lado de Júlia. Na verdade, sua turma de amigos tinha quase que gravitado junta para a mesma área – lá estavam Sofia e Luís, Enrique, Dani, Davi e outros que costumavam freqüentar a biblioteca, que de uma forma ou de outra tinham sido adotados por aquela ‘família’ que tinha começado entre ela e Penélope.

Devagar, ela se dirigiu para eles, refreando a vontade de menear a cabeça ao perceber que o único lugar disponível para ela sentar era ao lado de Davi. Quem seria responsável por aquela feliz coincidência – Sofia ou o próprio rapaz?

Ajeitando a saia do vestido para não correr o risco de depois tropeçar na própria cauda, ela se acomodou junto ao rapaz, concentrando-se por um momento na proximidade de Luís e Sofia no banco da frente e nos sussurros que flutuavam atrás deles, entre André e Júlia.

- Ouvi dizer que você está indo embora.

Beatriz voltou-se para Davi, que a encarava com uma expressão neutra.

- Eu não estou indo embora. É só um ano. – ela deu um meio sorriso – Eu vou voltar.

- Sofia vai sentir sua falta. – ele observou, retornando o sorriso – Ela tem andando pela casa como quem está sofrendo de um coração partido.

- E as pessoas acham que eu sou dramática. – ela revirou os olhos.

Desta feita, Davi riu baixinho. Bia o observou com o canto dos olhos. Então, antes que pudesse pensar demais ou se arrepender, ela estendeu a mão, segurando a dele. Quase que imediatamente, ela sentiu ele fechar os dedos sobre os seus, num movimento tão discreto quanto terno.

Quando ele se inclina junto ao ouvido dela, a respiração quente em seu pescoço, Beatriz se esforça para não se mexer ou pular para frente ou alguma outra ação do tipo.

- Você guarda a última dança para mim? Ou vou ter de seqüestrá-la de novo?

Se ela estivesse em outro lugar, talvez tivesse soltado uma gargalhada nervosa. Mas agora as cartas estão na mesa e ele é inteligente o suficiente para entender que ela já sabe e tirar o máximo proveito disso.

E, embora seja bem verdade que ela não tenha muita experiência com as borboletas em seu estômago e o descompasso em seu coração, ela quer que isso aconteça. Mais tarde eles terão de conversar – sem máscaras ou pretensões – mas por hora... por hora ela está contente com o leve flerte e o sorriso que ele lhe dá.

- Não será necessário, você pode ficar com a última dança. – ela responde por fim - E todas as outras contradanças também. Se quiser.

O sorriso dele aumenta.

- É uma promessa.


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#116: Quando, Quando, Quando
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Como diabos é que ele acabara naquela situação? Como exatamente é que você se descobre no meio de um relacionamento, sem ter feito quaisquer decisões conscientes sobre o assunto, com todas as desvantagens intrínsecas ao estado (incluindo a parte de “conversar sobre sentimentos”) e nenhuma das vantagens à vista (a não ser a parte em que as mãos deles estão enlaçadas)?

Às vezes André achava que estava em meio a um complicado experimento de Beatriz ou uma vingança maquiavélica de Júlia. Ou os dois ao mesmo tempo. Ele talvez sequer tivesse se dado conta do que estivera acontecendo nos últimos meses não fosse Sofia (justamente Sofia!) ter dito casualmente que aprovava sua nova namorada.

De novo, como aquilo acontecera?

Talvez tivesse sido quando das conversas na sala de espera da fisioterapeuta. Ou talvez quando ditas conversas passaram a ocorrer na faculdade e em sua casa, nas vezes em que Bia marcava uma sessão de cinema na sala. Ou ainda quando ele mesmo passou a visitar a casa dela para levá-la para tomar sorvete ou (ah, a ironia, o cúmulo dos cúmulos!) ao cinema.

Com a aproximação da partida da irmã, cada vez mais ele precisava conversar. Júlia ser sua interlocutora, a princípio, fora apenas uma questão de conveniência.

Não foi difícil lembrar todos os motivos pelos quais antes, eles se davam tão bem. Após a estranheza (e hostilidade) do início, ambos acabaram se encontrando nos mesmos caminhos, mesmos hábitos do passado. Era confortável estar com alguém para quem você não precisava atuar.

Então Sofia estragara tudo naquela manhã, com seu comentário cretino e ele percebeu que nada o deixaria mais satisfeito que transformar tal comentário em realidade e Júlia, enquanto o ajudava a ajeitar a gravata na porta da igreja, dissera que eles precisavam conversar. Depois. Conversar.

Conversar, conversar, conversar. Ele estava cansado de conversar. Quando seria o momento de agir?

- Você pode parar de balançar a perna? – Júlia praticamente sibilou ao seu lado – Francamente, André, o noivo parece menos nervoso que você. O que está acontecendo?

O rapaz tentou controlar o tique na perna. Não que fizesse muita diferença. Ele podia sentir o corpo inteiro vibrar.

- Não está acontecendo nada.

Júlia arqueou a sobrancelha.

- Mesmo? Essa sua cara de quem vai vomitar a qualquer instante é sua expressão padrão para casamentos?

- Sério, Júlia? Vomitar? Não havia nada mais agradável para dizer, não?

- Eu só estou sendo sincera. – ela deu um sorriso claramente sarcástico.

E era por isso que ele era louco por ela. Pronto. Aí. Ele tinha dito. Para si mesmo, mas já era um começo.

- Você me parte o coração. – o rapaz respondeu, embora um traço de riso teimasse em arruinar o efeito.

- Como se você tivesse um coração para ser partido.

- Ei! Isso foi baixo!

Júlia o encarou como se tivesse uma resposta pronta na ponta da língua, mas então desviou o olhar, seus ombros subitamente caindo para frente.

- Desculpe.

André piscou os olhos. E se lembrou que ela sabia. Ah, sim, eles tinham conversado extensivamente sobre o assunto. Conversar com Júlia era, ao final das contas, melhor que fazer terapia – era de graça e efetivo, uma vez que nenhum terapeuta lhe daria um murro na cara e o mandaria parar de se lamentar por “uma vaca egoísta como aquela”, nas palavras da ruiva. O que, no final das contas, fora exatamente o que ele precisava para fechar aquele específico capítulo de sua tragicômica vida.

Ele deu um meio sorriso. Ótimo. Culpa. Ele podia trabalhar com culpa.

- Não sei se eu deveria. – ele respondeu à meia voz, fazendo com que ela voltasse a encará-lo, surpresa – Isso foi realmente baixo.

- André... – Júlia começou.

- Especialmente a se considerar que se eu não tenho um coração no momento, é porque eu aparentemente o entreguei sem perceber a sua guarda.

A ruiva abriu e fechou a boca. E então sorriu.

- Você é um cretino.

Hora do ataque decisivo.

- E ainda assim você me ama. – ele abriu um sorriso de orelha a orelha.

Júlia o encarou incrédula, embora ainda com a sombra de humor.

- Eu devo ter batido a cabeça para dizer isso... – ela deu um suspiro resignado – Mas amo, sim.

- Ao menos a recíproca é verdadeira. – André completou, apertando a mão dela que continuava entre a sua.



A Coruja


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8 comentários:

  1. Owwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwn que fofinho!

    André e Julia eu até previa, mas não sei porque raios acreditei piamente que a Beatriz ia partir pra Europa com o coração intacto!

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  2. Quem disse que sexta-feira 13 tem q ser macabra??
    A minha começou super bem! Adorei!!!!!!
    ingridfarias

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    1. Que bom que gostou, Ingrid! E eu nem tinha me tocado que era sexta-feira 13...

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  3. Muito fofo!!!!! *-*
    E adorei ver a Beatriz com o Davi. XD

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  4. Um funeral ou um casamento, não é? xD Ficou genial, todos os detalhes, os diálogos, os desdobramentos... Três casais resolvidos de uma só vez, ainda estou rindo sozinha com o quão bom e bonito ficou!!! Parabéns pelo trabalho bem feito e, se não acabou, eu quero mais razões para gritar na frente do computador! :p

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    1. Que bom que gostou, Rafa! E ainda não terminou, não... até o final do mês, ainda tem Na sua estante. Termina no capítulo 120 ;)

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