19 de janeiro de 2012

Para ler: Sonho de Uma Noite de Verão



BOTTOM (despertando) — Quando chegar a minha vez, chamem-me, que eu responderei. Minha próxima fala é: "Formosíssimo Píramo!" Olá, Peter Quince! Flauta, remenda foles! Snout, caldeireiro! Starveling! Deus do céu! Foram-se todos, e me deixaram a dormir. Tive uma visão extraordinária. Tive um sonho, que não há entendimento humano capaz de dizer que sonho foi. Não passará de um grande asno quem quiser explicar esse sonho. Parece-me que eu era... Não há quem seja capaz de dizer o que eu era. Parece-me que eu era... e parece-me que eu tinha... Só um bufão maltrapilho seria capaz de tentar explicar o que me pareceu que eu era. Não há olho de homem que tenha visto, nem orelha de homem que tenha ouvido, nem mãos de homem que tenham gostado, nem língua que haja concebido, nem coração que haja relatado o que foi o meu sonho. Vou pedir a Peter Quince que escreva uma balada a respeito desse sonho, que receberá o título de "O sonho de Bottom", por ser um sonho embotado, e a cantarei no fim da peça, diante do duque. É possível, até, que, para deixá-la mais graciosa, eu a cante depois da morte de Tisbe. (Sai.)

Das comédias de Shakespeare, Sonho de uma Noite de Verão é talvez uma das mais refinadas, mais alegóricas e com mais cruzamentos culturais possíveis; um sonho misturando mitologia, história e política de uma forma inesquecível, magnífica.

Resumo da ópera para os desatentos: dois jovens casais se apaixonam e desapaixonam no meio de uma confusão entre o rei e a rainha das fadas – Titânia e Oberon – e com a ajuda não particularmente prestativa do sempre bem disposto Puck.

Acho que a grande questão que fica da peça é o que é a verdadeira felicidade e o que é ilusão (is this real life? Is this just fantasy? Anyway the wind blows...). Considere que você só vê Titânia realmente feliz enquanto está com Bottom em sua versão cabeça de asno; nada se resolve realmente entre ela e Oberon e os nossos jovens apaixonados resolvem seus problemas deixando Demétrio continuar sob influência do filtro mágico.

Mas adianto-me – embora acredite que todo mundo por aqui já conheça a história (ainda que seja só de ouvir falar). Pois bem... no melhor estilo da quadrilha de Drummond, Lisandro ama Hermia e é correspondido, mas a moça está prometida em casamento a Demétrio, por quem Helena é loucamente apaixonada.

O pai de Hermia, Egeu, expõe o caso ao Duque Teseu – que por sua vez está de casamento marcado com a rainha amazona Hipólita – e pede para a filha a pena de morte, que é a punição por desobediência ao pai na lei ateniense.

Teseu dá a Hermia a possibilidade de escolher entre aceitar a pena de morte ou se tornar uma freira e morrer virgem (não analisemos as incongruências histórias desse resumo ou acabaremos cantando o samba do crioulo doido). Ela, por sua vez, pensa numa terceira opção: fugir de casa com Lisandro naquela mesma noite. Problema que ela conta o plano para a amiga Helena, que deixa a coisa escapar para Demétrio (um passo não muito perspicaz em sua campanha para ganhar o afeto do rapaz...).

Assim é que Hermia e Lisandro se embrenham na mata, Demétrio vai atrás deles, Helena vai atrás de Demétrio, todo mundo acaba perdido, adormece por ali e assim são encontrados por Oberon, o rei das fadas, e seu servo, Puck.

Oberon e Titânia, por sua vez, estão brigados e em disputa por um jovem pajem – disputa essa que anda deixando o tempo maluco (enchentes e por conseqüência, fome). Oberon, contudo, tem um plano: usar um filtro mágico para fazer com que Titânia se apaixone loucamente pela primeira criatura que ver (de preferência alguma besta selvagem) e assim fazê-la perder o interesse pelo pajem.

Uma estratégia bem peculiar, sem dúvida alguma...

Enfim, já que está com a mão na massa, Oberon acha por bem se intrometer nas confusões dos amores mortais e ordena a Puck que resolva a coisa entre os quatro jovens. Só que Puck se atrapalha e o resultado é que Lisandro e Demétrio passam a amar Helena e Hermia não tem mais ninguém.

Para completar, Titânia, vítima também do tal filtro, se apaixona por Bottom, que faz parte de um grupo de artesãos atenienses que estão ensaiando (muito mal) uma peça para apresentar no casamento de Teseu e Hipólita. Questão é que antes que isso acontecesse, Puck dera a Botton uma cabeça de asno, considerando a qualidade poética e artística do homem.

Toda essa confusão ocorre numa única noite – e numa noite Shakespeare acaba por explorar a natureza do amor, concluindo que amar ou perseguir o amor (expressão mais apropriada diante das circunstâncias da peça...) é algo que tem a capacidade de nos tornar irracionais, não importa sejamos reis e rainhas ou rematados idiotas.

Mais que isso: amar é tão inconstante e variável quanto as próprias estações.

Entre realidade e sonho, ilusão e encantamento e no meio de uma verdadeira batalha dos sexos (porque ao final das contas, é disso que se trata verdadeiramente a confusão entre rei e rainha das fadas), Shakespeare nos brinda com alguns de seus personagens mais inesquecíveis e com uma confusão que só poderia ser encontrada numa quente noite de verão...



A Coruja


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3 comentários:

  1. Uma das melhores comédias de Shakespeare com certeza! E a versão do Neil Gaiman da história em Sandman não fica nem um pouco atrás. Fantástica!

    E a resenha, como sempre ótima Lulu! :)

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  2. Das comédias de Shakespeare que li, esta tbm é a minha favoritas. ^^

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