19 de maio de 2010

Para ler: O trono de jade

"Esta é a disciplina do Corpo, eu entendo," Barham começou: mesquinho e ofensivo, uma vez que sua vida provavelmente acabara de ser salva pela desobediência. Ele mesmo pode percebê-lo, e tornou-se ainda mais furioso. "Bem, não será assim comigo, Laurence, nem por um instante; eu o verei quebrado por isso. Sargento, prenda-o-"

O final da sentença foi inaudível; Barham estava esmorecendo, tornando-se menor, sua boca vermelha gritante abrindo e fechando como um peixe sem fôlego, as palavras tornando-se indistintas enquanto o chão sumia sob os pés de Laurence.
Como vocês já devem saber, às vésperas do dia das mães, eu fui ao centro para procurar o presente da senhora D. Mãe e, depois de bater perna para cima e para baixo, fui parar na Livraria Cultura, saí empilhando livros debaixo do braço e por puro e mero acaso, descobri O dragão de sua majestade. Mal terminei de ler o primeiro volume, descobri que era uma série e fui atrás de saber como arranjar os seguintes. Como eles não estavam disponíveis em português e sou uma pessoa muito impaciente, encomendei tudo em inglês pela Cultura.

Como os livros são importados, a previsão mínima era de seis semanas para a chegada deles, de forma que eu estava resignada a ter de esperar, pelo menos, até julho. Para minha sorte, contudo, eles tinham o segundo volume em estoque, de modo que ele chegou essa semana.

Ontem, de sete da noite, para ser exata.

Comecei a ler quase de imediato e teria terminado de uma única sentada, não fosse pelo fato de que quando deu onze e meia, a luz simplesmente apagou. Minha sorte, realmente, ter faltado energia bem no final da primeira parte... Como não tinha mais o que fazer, deixei para continuar hoje e acabo de terminá-lo, mais uma vez, com o coração aos pulos e a respiração em suspenso.

Se no primeiro livro, eu ficava praticamente pulando da cadeira com os treinamentos e cada batalha, nesse eu vibrei com as intrigas políticas. Throne of Jade é uma aula de real politik.

E eu não acredito que acabei de aplicar uma teoria de relações internacionais para falar de ficção fantástica...

Ok, vamos com um pouco mais de calma, começando do começo.

Como vocês devem lembrar do artigo anterior, o conceito da série é bem parecido com a proposta de Jonathan Strange & Mr. Norrell - junte a Inglaterra no meio das Guerras Napoleônicas com um elemento fantástico (nesse caso, uma Força Aérea composta de dragões) e... corra em direção ao arco-íris: você tem um best-seller.

Em O Dragão de sua Majestade, nós começamos com o capitão da Marinha Britânica Will Laurence tornando-se o companheiro do dragão Temeraire, nascido de um ovo capturado numa batalha contra um navio francês. Temeraire e Laurence entram para a corporação dos aviadores e são uma peça chave nas batalhas contra os exércitos de Napoleão.

É de se destacar o vínculo que os dois formam - acho que é uma das coisas que me deixou encantada com o livro, a amizade verdadeira dos dois, não uma relação de hierarquia, de mestre e pupilo ou algo semelhante. Se Temeraire é absurdamente inteligente e capaz de falar em três línguas (isso porque os dragões aprendem ainda dentro do ovo, ouvindo as pessoas falarem), Laurence tem mais experiência de vida e ambos se beneficiam na história.

Ok, agora, se você não leu o primeiro livro, pretende ler e não gosta de spoilers, por favor, volte depois de amanhã. Do contrário, está avisado, eu vou contar o final do primeiro livro.

Por último, em O Dragão de sua Majestade, descobrimos que Temeraire não é um "simples" dragão imperial - raríssimo e inexistente fora da China - mas um Celestial, uma raça que apenas a família imperial pode ter.

A coisa toda gera uma série de perguntas e problemas. Afinal, o que diabos significa a China mandar um ovo de dragão celestial para Napoleão (pois Temeraire era um presente para o imperador francês)?

Throne of Jade começa assim com uma missão de embaixadores chineses chegando à Inglaterra, dispostos a tudo para levarem Temeraire de volta, inclusive, se necessário, carregar Laurence com eles.

Aulinha rápida de História: a China - na verdade, o Oriente, como um todo - permaneceu de portos fechados por muitos anos para o Ocidente, mantendo o porto de Cantão para comércio e de resto, inteiramente desinteressada de qualquer barganha com a Companhia das Índias. A Inglaterra tinha uma vasta demanda por chá, seda e porcelana, e os chineses, nenhum interesse nas quinquilharias européias, o que fechava a balança comercial em baixa. Para compensar a balança, os ingleses passaram a vender ópio para a China, até o governo de Pequim proibir a venda da droga e ocasionar com isso as chamadas Guerras do Ópio.

Isso, contudo, é depois das guerras napoleônicas, estou apenas dando um resumo do resumo do resumo para vocês. Voltemos assim a Temeraire e Laurence.

O governo inglês, que quer de todo jeito uma aliança com a China - ou, pelo menos, sua neutralidade -, assim como o estabelecimento de uma embaixada permanente e maior abertura dos portos; não se importa muito em negociar o que for necessário e assim, pela primeira e segunda parte do livro, nos vemos numa longa viagem de quase um ano até a China.

A princípio, isso pode parecer um pouco anticlimático, mas não é. A vida no navio Allegiance - um porta-dragões (como hoje temos porta-aviões) - é descrita de forma vívida e o tempo inteiro temos alguma coisa acontecendo: de um ataque francês no meio da noite, a intrigas com os emissários chineses, entre aviadores e marinheiros, tentativas de assassinato, motins, tempestades, furacões e até uma gigantesca serpente do mar.

Eu estou mesmo tentada a arranjar um mapa e sair marcando as paragens pelas quais Novik cria sua história - da Inglaterra à Madeira, cruzando o Cabo da Boa Esperança, vendo o mercado de escravos de longe nas costas da África (e, ao que já vi dos resumos dos livros seguintes, voltaremos à África em algum ponto futuro), continuando a jornada até Pequim.

E nada pode nos preparar para nossa chegada à China. Temeraire arranja até uma namorada!

Falando sério agora... nos últimos tempos, eu tinha me decepcionado um pouco com continuações. É triste, para dizer a verdade, você começar bem e empolgando e daí sair-se com um final totalmente sem pé nem cabeça. Nada contra milagres, mas eu os detesto em final de livro. Eles podem estar até no começo e serem o mote da história, mas no final?

Se matou um personagem, DEIXE QUE ELE PERMANEÇA MORTO. O único morto que valeu à pena ressucitar foi Aslam... e alguns zumbis. Mas Aslam não vale, porque ele é o Grande Leão e o Cordeiro num único e a idéia de Lewis, ao final das contas, era emular Cristo.

Não dá para questionar a necessidade do recurso literário da ressurreição para a história nesse caso.

Então... eu comecei a ler Throne of Jade com um pé atrás, justamente por ter tido algumas péssimas experiências com continuações nos últimos tempos. A primeira coisa que percebi contudo é que, pela estrutura do livro, você pode ler fora de ordem, como uma história por si só, e ela se mantém.

E, de toda forma, a mulher me surpreendeu - o segundo volume da saga consegue ser tão bom ou melhor quanto o primeiro: são diferentes tipos de ação e é interessante ver, por exemplo, o choque entre as visões de Laurence e Hammond, um militar e um diplomata, respectivamente.

Todo mundo sabe que gosto de estudar guerra e relações internacionais e confesso que a forma como a Novik mudou o foco de um livro para o outro - da guerra declarada para um tipo mais sutil de combate, entre intrigas diplomáticas palacianas e necessidades comerciais acima do orgulho e honra militares... eu amei isso.

Eu não estou dizendo que vocês vão encontrar material de estudo para uma monografia na série (bem, eu não duvido que eu, pelo menos, encontraria... afinal, já estou no segundo artigo); mas que a autora soube aproveitar bem a questão histórica no desenvolvimento da história.

Mais...
"Você quer dizer que apenas mulheres servem em seus corpos aéreos?" Laurence perguntou, certo de que não havia compreendido; ainda assim Zhao Wei apenas assentiu em confirmação. "Mas que razão pode haver para que haja tão política; com certeza vocês não pedem às mulheres que sirvam em sua infantaria, ou marinha?" Laurence protestou.

Seu horror era evidente, e Zhao Wei, talvez sentindo uma necessidade de defender a prática incomum de sua nação, seguiu a narrar a lenda que era sua fundação. Os detalhes eram, claro, romantizados: uma garota teria supostamente se disfarçado de homem para lutar no lugar de seu pai, tendo se tornado companheira de um dragão militar e salvo o Império ganhando uma grande batalha; por conseqüência, o Imperador da época teria pronunciado garotas aceitáveis para o serviço com dragões.
Alguém aí reconheceu de que lenda eles estão falando? Eu fiquei rindo sozinha por uns dez minutos quando cheguei nesse trecho e me deu uma enorme vontade de assistir Mulan.

Enfim, eu recomendo também a continuação de O dragão de sua majestade e mais uma vez, mal posso esperar para colocar as mãos no próximo volume, Black Powder War - desta feita, viajando até Istambul.

Para terminar por hoje, recomendo a leitura dos extras disponíveis no site oficial de Temeraire: Deleted Scene from Throne of Jade e Feast or Famine (este último passado entre o final do primeiro e o começo do segundo livro).

A Coruja


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5 comentários:

  1. PARE COM ISSO!!! Para de me fazer ter vontade de ler livros que eu não posso ler no momento!!! (Sim, seus artigos fizeram o efeito desejado, quero ler. E não me importo com spoilers) xD

    Acho que já falei antes, mas acho que vale a pena comentar a série Ranger: A Ordem dos Arqueiros (Ranger's Apprentice, no original).

    É uma série que se passa em um cenário de "low fantasy" análogo à Europa medieval: mesmo sem dizer os nomes explícitamente, facilmente se reconhece a Inglaterra, França, os mongóis, os vikings etc.

    Os livros são escritos em duplas, e por enquanto são 9 livros, como 10º esperado pra novembro desse ano. Recomendo. ^^

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  2. Oi!
    Adorei, realmente! Você sabe como deixar alguém se contorcendo pra ler um livro, não? kkkkk
    Bom, eu recomendo 'As guerras do mundo emerso - a seita dos assassinos'. É definitivamente muito bom. Tem mais sangue do que eu gostaria, mas... ainda sim vale a pena ler.
    Beijos!

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  3. Já comprei todos os cinco livros da saga *_*

    Quero um Temeraire!!!!!

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  4. Tá vendo! Eu faço uma ótima propaganda! Deveria ganhar por isso.

    Hum... será que se eu mandar um email para a Novik dizendo que a Juju comprou os cinco livros da saga e mais gente procurou o livro também, ela me manda o próximo livro a ser lançado em julho de presente e autografado?

    XD

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  5. Ué, tenta. Manda o email para ela. O que temos a perder??

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