21 de fevereiro de 2010

Anedotas judiciárias


Revisitando o tema do post anterior, sobre fatos reais que mais parecem ficção, anedota, conto de carochinha, hoje lhe conto três histórias ocorridas (ou contada, no primeiro caso) nos meus tempos de estagiária da promotoria de justiça.

Sem nomes ou quaisquer meios de identificação das pessoas envolvidas, é claro. E, se você tem estômago fraco ou é um puritano, por favor, volte no próximo post.


O primeiro caso me foi narrado pela promotora que atuou nele e aconteceu numa vara de família, no interior.

O imbróglio começou assim: Fulano, que saíra da cidade há anos para tentar a vida em São Paulo volta mais ou menos ajeitado, agora como jogador de futebol, disposto a reconhecer um filho que deixara ao partir, antes mesmo do menino nascer.

Acontece que a mulher casara com outro Sicrano e jurava de pés juntos que o marido era o pai da criança. Sua convicção, ao perguntar se podia provar o que dizia, vinha do fato de que... bem... aparentemente, o órgão sexual do candidato a pai era minúsculo - um centímetro e meio, para ser exata – e, aparentemente, lhe faltava um testículo.

Perguntaram ao rapaz se era verdade. O pobre infeliz confirmou, mas continuava a afirmar que o filho era seu.

No meio da audiência, se levanta a promotora, pede licença e corre para ligar para o tio médico do corredor.

“Tio, é possível que um homem com um só testículo e um órgão sexual de um centímetro e meio possa ter filhos?”

“Depende. Ele é capaz de ejacular?”

“Espera aí um instantinho.”

Volta a promotora para a audiência, pede desculpas ao presente, repassa ao candidato a pai a questão do tio. O pobre diz que sim, o tio responde também que sim e pedem um exame de DNA.

A mulher continua a jurar de pés juntos que o marido é o pai.

A promotora mede um centímetro e meio na régua. É mais ou menos isso:


______


No dia marcado para leitura do exame, a sala de audiência está lotada – quase toda a cidade compareceu. A mulher reclama que aquilo é uma vergonha. A promotora responde “Vergonha é brincar com um centímetro e meio. Um centímetro e meio, minha senhora!”.

O juiz segura o resultado do exame nas mãos. Lentamente, abre o envelope. E então, com voz emocionada, anuncia aos arroubos de Galvão Bueno:

“E COM NOVENTA E NOVE VÍRGULA NOVE POR CENTO DE CERTEZA... ELE É O PAI!!!!!!!!!!!!!!!!”

...

Não sei se vocês sabiam, mas há, basicamente, duas maneiras de se fazer uma denúncia ao Ministério Público. Primeiro, você pode fazer uma denúncia anônima, pelo Disque-Denúncia (eu trabalhava na promotoria do idoso e do deficiente e recebíamos, no mais das vezes, denúncias de maus-tratos e abandono) ou você pode ir à promotoria da sua cidade e preencher um termo, especificando do que se trata a questão, anexando documentos, etc.

Pois bem... chegou lá na promotoria uma criatura com uma denúncia – e ampla documentação debaixo do braço – de que estava sendo vítima de vudu por parte de seus vizinhos. O caso começou na promotoria de saúde, foi para a criminal e por fim, chegou na dos deficientes.

E na minha mão.

De acordo com os relatos da criatura, os vizinhos praticavam bruxaria, feitiçaria da brava, estariam ‘vuduzando-o’ – eram provas deste crime exames médicos afirmando o vudu, raios-x mostrando que alguns órgãos internos tinham sumido (!!!!) e uma cueca melada de sangue.

A cueca melada de sangue foi devolvida.

A promotora marcou uma audiência com a vítima e os supostos feiticeiros, que, coitados, estavam simplesmente apavorados com o vizinho, que já tentara até agredi-los com tijolos. Firmou-se um termo de compromisso para que os vizinhos deixassem de ‘vuduzar’ a criatura, comprometendo-se este, por sua vez, a deixar o casal em paz.

A terceira história envolvia uma denúncia de abandono de uma idosa. A mulher tinha três filhas, intimadas a comparecer para uma audiência. Começa o pandemônio, todas falando ao mesmo tempo, todas jogando a culpa na outra, todas nervosas e irritadas.

Finalmente, a promotora perde a paciência e manda as três se calarem.

Silêncio constrangedor quebrado apenas por Lulu escrevendo em sua mesa. Uma das irmãs saca um lencinho e uma caixa de remédios da bolsa.

“Ah, doutora... a senhora não sabe como lamentamos por isso... mas estamos tão nervosas e... a senhora se importa se eu tomar um rivotril?”

Rivotril é um antisiolítico, um calmante tarja preta usado inclusive para tratar epilepsia. Sob os olhares atônitos meus e da promotora, as outras duas irmãs também pedem licença para tomar o remédio e terminam com um “A senhora também quer um?”, com a mesma inocência de quem oferece bala.

Sem maiores comentários, meritíssimo.



A Coruja


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4 comentários:

  1. TENSO
    Pq imagino a ambientação ao estilo Cold Case, com um povinho meio estranho e bem estereotipado como acusados e acusadores e vc como a mocinha atrapalhada e magrela do escritório que está sempre cercada de papéis?
    Minha imaginação é muito boa ou ela acertou em algum ponto?

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  2. Você acertou na parte de eu estar sempre cercada de papéis... mas não no resto. A turma com quem trabalhei na promotoria, dos servidores aos promotores, era uma simpatia, com todos os tipos de doidos no meio.

    Sexta era o dia de nos reunirmos na sala de Dra. Dalva para comer coxinha (por conta dela). Dr. Édipo pediu expressamente que eu fosse estagiária dele no último quadrimestre para poder filar meus lanches. Em compensação, eu vivia pegando carona. Na verdade, eu andava de expresso estagiário todo dia, sempre tinha um promotor disposto a me levar em casa, fosse Dra. Fátima (que aproveitava para me encher de chocolate), Dra. Dalva (com quem eu ainda ia fazer feira), Dra. Irene (com quem saía conversando em francês, uma vez que éramos colegas do Aliança Francesa) e o próprio Dr. Édipo.

    Apesar de eu já ter saído do estágio, continuo indo às confraternizações e sou a diretora-presidenta do jornal "A Coxinha Tagarela", em edição única uma vez por ano.

    Cold Case era mais na época em que trabalhei no júri, no tribunal. Afinal, a gente só cuidava de homicídios. Mas, mesmo lá, a turma era ótima...

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  3. Morri de rir aqui. Acho que no caso número 2, o carinha precisava de um psiquiatra. Já no 3, elas já estavam devidamente medicadas, rs.

    Muito bom, vc faz o Direito parecer legal!

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